Somos duas amigas, nascidas no mesmo ano, mas em continentes diferentes, uma na terra do fado, outra na terra do samba, uma loira, outra morena, com um oceano pelo meio, mas que só fisicamente nos separa. Gostamos ambas de nos divertirmos e de coisas bonitas. Sim, vaidosas q.b.. As nossas intermináveis conversas com sotaques sobre quase tudo dão um blog. Porque ainda há muito a descobrir entre os dois países. E afinal não somos tão diferentes assim.



domingo, 9 de fevereiro de 2014

Morto há 50 anos, Ary Barroso ganha homenagens

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Com exposições e lançamentos de discos, família do compositor trabalha para dar uma projeção maior ao seu legado a partir deste ano

“Quero deixar às futuras gerações alguma coisa que o tempo não destrua. Muita gente, daqui a muitos anos, quem sabe, vai ouvir falar no compositor popular Ary Barroso. Se o meu objetivo for colimado, então estarei perfeitamente tranquilo e compensado”. Ary Barroso disse essas palavras em 1956, na introdução do álbum de dez polegadas "Encontro com Ary". Morto há exatos 50 anos, em pleno domingo de carnaval, o compositor que também se desdobrou como pianista, locutor esportivo e animador de rádio teve realizado o desejo de ver sua obra perpetuada. Seus clássicos continuam a ser regravados, especialmente por artistas que beberam na fonte da bossa nova, e o box "Ary Barroso – Brasil Brasileiro", incluindo os primeiros registros de suas músicas, chegou ao mercado no fim do ano passado.

E não deve parar por aí. A família do compositor trabalha para dar uma projeção maior ao seu legado a partir deste ano. O neto Márcio Barroso pretende estabelecer parcerias com museus para exposição de fotos, partituras, discos e troféus. O piano de Ary já tem destino certo: o novo Museu da Imagem e do Som do Rio. “Não adianta nada eu guardar esse material comigo. Quero que o povo saiba quem meu avô foi e por que ele continua sendo importante”, conta Márcio.

Por intermédio da editora Aquarela do Brasil, ele detém os direitos autorais de 200 músicas do avô. Márcio recorreu à Justiça para obter os direitos de composições administradas pela Mangione e Irmãos Vitale. Também requisitou os masters dos quatro álbuns de Ary, lançados nos anos 1950, para relançar por conta própria. “É um processo difícil e a burocracia é muito grande. Mas a intenção da família é ver os registros fonográficos do meu avô saindo dos porões das gravadoras”, afirma. Os discos foram lançados pelos selos Copacabana e Odeon, hoje extintos. O acervo de ambos pertence à Universal Music.

História
Nascido em 1903 na cidade de Ubá, Minas Gerais, Ary Evangelista de Resende Barroso aprendeu piano na infância. Na década de 20, foi para o Rio cursar direito, trabalhando como pianista. Em 1928, Mário Reis grava uma música sua, "Vou à Penha". A partir dos anos 1930, cria clássicos como "No Tabuleiro da Baiana", "Na Baixa do Sapateiro" e "Aquarela do Brasil", com o qual obteve projeção internacional com a sua inclusão no longa-metragem animado "Alô, Amigos" (1942), produzido por Walt Disney.

O pesquisador Omar Jubran, que produziu "Brasil Brasileiro", afirma que Ary se consagrou como um dos grandes compositores brasileiros por ser um inovador. “Ary, junto com Noel Rosa e Lamartine Babo, encheram a música brasileira de alegria quando ela era só fossa, descontando o período carnavalesco. E ele soube dar graça ao que fazia, de uma maneira muito particular.” Entre os trunfos ressaltados por Jubran, estão a linguagem rebuscada, porém de fácil aceitação popular, e a qualidade das melodias.

Já Rodrigo Faour, autor de "História Sexual da MPB" (Ed. Record), livro no qual disseca as transformações do amor e do sexo nas letras do cancioneiro nacional a partir do início do século 20, assinala que Ary era diferente de seus contemporâneos. “Na década de 30, o machismo era uma tônica na canção popular. O Noel, por exemplo, diz em "Mulher Indigesta" que a moça merecia um tijolo na testa. O Ary, no início da carreira, fez "Dá Nela" (É perigosa/ Fala mais que pata choca/ Dá nela), mas logo adotou um tom mais elegante que permitiu que ele ultrapassasse modismos.”

A obra de Ary foi absorvida pela então nascente bossa nova, movimento que inicialmente viu com desconfiança. Pode-se dizer que João Gilberto uniu duas pontas, abrindo o seminal "Chega de Saudade" com a faixa-título, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, e encerrando o álbum com "É Luxo Só", parceria de Ary com Luiz Peixoto. Vinicius chegou a colocar letra em quatro de suas melodias, gravadas por Angela Maria no compacto duplo Ary e Vinicius em 1962, um ano depois de adoecer da cirrose hepática que o mataria.

Na mesma noite em que Ary morreu, os Beatles atingiam o ápice ao se apresentarem no "Ed Sullivan Show". O compositor, conhecido por ser ranzinza e nacionalista, possivelmente teria em relação à 'beatlemania' o mesmo estranhamento inicial com a bossa nova. Mas eis que, 46 anos depois, ao anunciar shows no Brasil, Paul McCartney fez um vídeo e cantou "Aquarela do Brasil". Mesmo tachada de ufanista nos tempos do Estado Novo, a música estabeleceu uma identidade nacional com a qual Ary está intimamente atrelado. E isso até um Sir reconhece.

Fonte: Estadão

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